terça-feira, 22 de maio de 2007

O Palhaço de Kierkegaard e a Crise Climática




Depois dos alarmantes relatórios do Painel Intergovernamental sobre as
Mudanças Climáticas (IPCC) o pior que nos pode acontecer é deixar as
coisas correrem como estão. Então iríamos alegremente ao encontro de
nosso próprio fim. Tal atitude me faz lembrar o conhecido aforismo de
Sören Kierkegaard (1813-1855), famoso filósofo dinamarquês, sobre o
clown, um palhaço de circo. O fato, conta ele, é que estava ocorrendo
um incêndio nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou então o
palhaço que já estava pronto para entrar em cena, avisar a toda a
platéia do fato. Suplicava que acorressem para apagar as chamas. Como
se tratava de um palhaço, todos imaginavam que era apenas um truque
para fazer rir as pessoas. E estas riam que riam. Quanto mais o
palhaço conclamava a todos, mais esses riam. Pôs-se sério e começou a
gritar: "O fogo está queimando as cortinas, vai queimar todo o teatro
e vocês vão queimar junto". Todos acharam tudo isso muito engraçado,
pois diziam que ele estava cumprindo esplendidamente seu papel. O fato
é que o fogo consumiu o palco e todo o teatro com as pessoas dentro.
Termina Kierkegaard: "Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo
vai acabar no meio da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros
que pensam que tudo, em fim, não passa de mera gozação".


Estas palavras de Kierkegaard se aplicam perfeitamente a muitos
cientistas, empresários, bispos e até a gente do povo que pensam ser o
aquecimento global uma grande enganação ou um alarme desnecessário.
Dizem que o fenômeno é, em grande parte, natural e que a Terra tem
condições por si mesma de encontrar o equilíbrio ótimo para a vida. E
vivem como os ricos do Titanic, rindo e se afundando.


Por outro lado, muitos são os que tomam as advertências a sério,
Estados e grandes instituições, também entre nós. Sabem que se
começarem agora, com apenas 2% do PIB mundial, poderão equilibrar o
clima global e continuar a aventura planetária com perspectivas de
esperança.


O fato inegável é que estamos face a um problema global. Não afeta
apenas este ou aquele ecossistema ou região mas seu conjunto, a
biosfera e o inteiro Planeta. Somos todos interdependentes e as ações
de todos afetam a todos para o bem ou para o mal. Tardiamente, só a
partir dos anos 70 do século passado, ficou-nos claro que a Terra é um
superorganismo vivo, Gaia, que regula os elementos físicos, químicos,
geológicos e biológicos de tal forma que se torna benevolente para
todas as formas de vida, especialmente, da nossa. Mas agora, dada a
intervenção prolongada e persistente do processo produtivo mundial,
ela chegou a um ponto em que não consegue sozinha se auto-regular.
Precisa de nossa intervenção que vai muito além de apenas preservá-la
e cuidá-la. Temos que efetivamente resgatá-la e curá-la. Pois, em
termos cósmicos, é um planeta já velho, com recursos limitados e
dificuldades de auto-regeneração.

- Leonardo Boff -

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